segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dia 11

Como prometido conto agora a história da mulher daquele senhor que já foi um menino. Mas com ela vou começar ao contrário, vou começar do fim e chegar ao início. A ver se consigo.
Esta senhora que morreu no Inverno, no dia de Natal, quase a fazer 74 anos, não estava bem. Estava assustada com o tudo o que se passava à sua volta, mas nunca quis dar parte fraca. Como um gato com medo que se assanha para não fugir, ela gritava para não chorar. Nos gritos que dava dizia que não podiam estar a sujeitá-la aquilo porque ela era a mãe de todas as pessoas daquele país. E eu acho que ela morreu a pensar que era de facto assim.
Esta senhora era muito importante no seu país, tão importante que as pessoas de um modo geral faziam canções e hinos em sua honra e na do seu marido. Ela ensinou como se devia fazer e pouco depois esta era a principal distracção das pessoas: treinar cânticos e coreografias que os enalteciam por serem tão bons.
Neste tempo, as pessoas não podiam ver muita televisão para não gastarem electricidade, mas no tempo que lhes era permitido, transmitiam-se essas coreografias para as pessoas ficarem com uma outra perspectiva daquilo que faziam.
As pessoas também não podiam comer muita carne nem outros alimentos nem sequer gastar electricidade pois tudo estava muito caro e custava muito dinheiro ao país.  
Esta senhora teve também a ideia de que não podiam existir divórcios, para todos se darem sempre bem e para existirem cada vez mais crianças.
Esta senhora era doutorada em ciências farmacêuticas e tinha vários artigos científicos em seu nome. Mas era tão inteligente que nunca precisou de frequentar a faculdade tal era a sua clarividência para os fenómenos químicos e as idiossincrasias da vida de um modo geral.
Em sessões públicas, ela levava uma "tradutora" que respondia em inglês a todas as perguntas que eram feitas à senhora. Mas isto era só porque ela não sabia falar muito bem outras línguas, não era por mais nada. Não era por não saber, nada disso!
Esta senhora que nasceu e morreu no Inverno foi uma menina muito antes disso. As pessoas que nascem no Inverno dos países onde o Inverno não brinca no seu serviço devem ser pessoas muito fortes, muito rijas, para conseguirem aguentar tamanho embate desde tão cedo, desde que existem.
Esta menina era filha de um lavrador e saiu da escola com o 1º ciclo do ensino básico por concluir, apenas com aproveitamento em trabalhos manuais de costura. Mas isso era porque a escola dela não percebeu logo como ela era inteligente.
Também foi para Bucareste pela mão do irmão mais velho para trabalhar numa farmácia como ajudante. Pouco tempo depois deixou este trabalho e tornou-se operária fabril têxtil mas o bichinho da farmácia tinha lá ficado.
Entretanto conheceu o rapaz de que falei, namoraram muitos anos e casaram, também no Inverno, era mesmo para o que estavam toldados, para o frio gelado destas paragens. 
Era uma vez uma menina que saiu da escola com nota positiva a lavores e trabalhos manuais e tornou-se uma das mulheres mais importantes da história do seu país.
Esta história não termina aqui, mas tenho a impressão de que não consigo falar sobre estes dois senhores, sem ser assim, como se de um conto se tratasse. 

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