segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dia 5



Felizmente não é esta a minha experiência com os DOB (dogs of Bucharest). Mesmo nada. O que vejo são cães rafeiros - palavra tão depreciativa quanto vazia - pacatos, preocupados com as suas questões do dia a dia, que são dormir, procurar comida (o que não é necessariamente sinónimo de comer) dormir, fazer um xixizinho para marcar um ou outro poste da cidade, sim eles são os verdadeiros donos da cidade, nós é que ainda não sabemos. 

Todos menos um

Há um cão em Bucareste que não vive na confusão do tráfego, não sabe o que é o MetroRex, por mais nome de cão que o metro tenha, não convive com jornais e restos de comida. Está refugiado no Gradina Botanica (http://www.gradina-botanica.ro/), um jardim mais ou menos selvagem, mais ou menos votado a um pré-abandono, mas ainda assim um jardim a visitar.
Dei de caras com ele quando me apercebo de que também ele andava a expiar a noiva que entrou no Gradina para tirar fotografias. Tirei eu também algumas fotos escondida entre o arvoredo quase selvagem do jardim, porque tenho perdição em apanhar noivas na rua. Não sei porquê. Talvez porque não é o seu lugar.
(Ele é uma espécie de pastor-alemão, mas anão. Ri-se. E tem cara de Júlio.)
Este cão passou o tempo todo em que estive a tentar perceber a sequência caótica deste jardim deixado ao seu destino a mostrar-me quais os seus poisos predilectos. Geralmente zonas que já estavam totalmente passadas a ferro por si.
Fiz-lhe festas com toalhitas dodot e já nenhum de nós se importava muito com a noiva quedada na margem do lago sujo num equilíbrio precário entre mais uma pose ou sujar mais um bocadinho o seu vestido sem brilho.  
Além de ter conhecido um cão que é rei de um jardim inteiro creio sinceramente que esta cidade é dos seus cães só que ainda ninguém percebeu. Eles fazem encontros secretos no Gradina onde discutem e aprovam as sua leis. Permitem que andemos no seu metro. Adormecem a meio do trabalho. É em certa medida a sua rebelião contra as gerações de abandono que sofreram na pele e que ainda se contam nas noites de tertúlia que o Júlio organiza no Gradina.    
Ne vedem în curând



PS - e aqui fica a prova de que as noivas não se devem vestir de noivas muito menos estar na rua quando não é o dia do casamento. Porque não. Perdem tudo, coitadas. E há cães que são da minha opinião.

Dia 4

Quando a Roménia passou a fazer parte dos planos de trabalho do meu marido, não eram suficientes as idas à FNAC para encontrar os melhores guias sobre o país. O primeiro que comprei e lhe ofereci, até hoje o melhor, da Insight Guides de 2008, faz um retrato bastante justo (fair, em inglês é o termo ideal) do país. No entanto, todos eles se referiam aos "stray dogs of Bucharest", ou seja, aos cães vadios da cidade. Por esta altura tínhamos visto um filme israelita (Waltz with Bashir) sobre um homem perturbado com a guerra no seu país e nos seus sonhos apareciam sempre cães muito ferozes que corriam atrás dele, com os dentes pontiagudos a salivar.


Confesso que a minha noção de stray dogs ficou abalada desde então e a partir daqui imaginava Bucareste uma cidade onde não se podia andar sem nos escondermos de feras musculadas, galopantes, cinzentas, que esta primeira cena do filme retrata muito bem: http://www.youtube.com/watch?v=4BuVyMa_-ms&feature=related


Julga-se que o problema teve origem com a construção maciça no centro da cidade, e por todos os sectores de Bucareste, de enormes blocos de apartamentos que alojaram pessoas que assim deixaram as suas casas e terrenos para melhor poderem colaborar com mão de obra para aquilo que o Estado precisasse. Milhares de pessoas viram-se confinadas a um espaço demasiado contíguo para poderem ter todos os elementos da família (famílias onde o divórcio, aborto e contracepção estavam totalmente proibidos). A escolha natural foi abandonarem os seus cães. Como tiveram de fazer também por total falta de correspondência entre estas exigências e os devidos progressos em cuidados pré-natais e pós-natais com os filhos que nasceram com deficiências ou já vieram tarde demais.
Va urma



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Dia 3


A primeira impressão que se tem quando se chega a Bucareste é a de que estas pessoas convivem muito bem com o caos e não sabem (ou não querem saber) por onde anda a ordem. Não lhes interessa por aí além. Também não sei muito bem o que é que lhes interessa afinal além de conhecimentos aprofundadíssimos de maquilhagem e notícias fúteis e sensacionalistas.
Provavelmente nem sempre foi assim. Tenho pena de não ter conhecido o país anteriormente. Minto, conheci, claro. O meu avô fez questão de mo introduzir com as minhas primeiras incursões em parques infantis. Obcecado por desporto e exercício físico (como bom jogador, treinador e árbitro de futebol) fazia questão de dizer que as minhas cambalhotas trambolhas ou meus passes trémulos entre barras eram à la Nadia Comaneci. Durante algum tempo eu achei que estava mesmo toldada para a ginástica. E que entre mim e a Nadia só existia a diferença de ela já ter maminhas e ter um maillot branco com riscas tricolores que eu adorava. De resto, éramos iguaizinhas.


http://www.youtube.com/watch?v=4m2YT-PIkEc&feature=related



bună dimineaţa


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Dia 2


A Roménia onde se pode fumar em todo o lado (nos supermercados pequenos os próprios comerciantes estão a fumar atrás do balcão) é a mesma Roménia que desconhece...leite condensado. Juro. Não fazem a mínima ideia que andam a perder coisas como brigadeiros e quase todas as boas receitas que conheço. Ainda fico estupefacta quando penso, mas é assim. O que é de uma nação que não faz doces? O que é de uma família que não se mima com tartes, babas de camelo (que não faço há séculos, mas é uma inevitabilidade) O que é de um pai que não contou ao filho que não tinha fome ao jantar porque furava latas de leite condensado e bebia assim em preciosas gotículas o creme amarelado e pegajoso que até faz impressão nos dentes de tão doce.


Dá-me vontade de dizer-lhes isto, de segredar-lhes, Hey, vocês podem ter umas pernas jeitosíssimas, mas nem sabem o que andam para aí de doces bons que vocês não conhecem...e elas se calhar preferiam continuar a ter as pernas magrinhas e portanto não vale a pena dizer-lhes nada. Nem sei como se diz leite condensado em romeno (lapte condensat, nem têm expressão para tal, claro).


Dia 2 foi dia de jantar de portugueses cá em casa. Sem leite condensado tive de fazer um cheesecake de ir ao forno e de entrada uns queques de ovo.


Agora vou dormir, só de pensar que quanto a doces, estamos mesmo à frente. Mas quanto a sumos, ganham eles: hoje bebi um sumo de maçãs verdes e lima que é fabuloso (é só juntar a sumo de maçã 100%, o sumo de uma lima, várias rodelas de outra lima, açúcar amarelo ou calda de açúcar, muito gelo e polvilhar com canela) :))


noapte bună 

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Dia 1,5















O gato que me vem ver de vez em quando já entende as minhas bichanices porque fecha os olhos e não vem à procura de comida.
Como mais uma planta no meio do caótico "gradina", ali jaz sempre à espera que eu abra a janela da cozinha.
Afinal bichanichar é universal. Pelo menos entendemo-nos assim.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Dia 1


Em Bucareste fuma-se. O taxista que nos veio buscar ao aeroporto estava a fumar e entrou no taxi a fumar. À noite, como os gatos, a cidade até parece bonita, porque parda. O cinzento dominador não se vê no escuro e as luzes fazem o resto. O taxista estava de calções e t-shirt. E de chinelos. Não nos ajudou a tirar as malas do porta-bagagens. Tinha um GPS em jeito de neon, que fazia a estrada em verde pirilampo sobre um fundo negro. É como é Bucareste, cheia de neons citilantes mas lá no fundo é tudo escuro.
Ainda não comprei fruta porque é 6ª feira e não sei como funcionam os mercados aqui. Trouxe as minhas medidas e pauzinhos para fazer espetadas e trouxe o livro de receitas da MPL, o que significa que sacrifiquei 1400g para o poder trazer comigo.
A rua onde moramos tem muitas árvores que tornam este lado da casa onde estou bastante escuro.
Há um gato no pátio da entrada que olha para mim. Fiz-lhe bichanices mas ele só deve perceber bichanices em romeno porque nem fechou os olhos.
Tenho de perceber se a General Vasile Milea Street é caminhável pelos meios que possuo agora, os meus pés.
Comi carbonnara ao almoço, com chouriço de Portalegre e bebi café com migalhinhas de suspiro. Trouxe-os mesmo para a sobremesa de suspiro com morangos.
Tenho um budget que me tem de dar para as compras alimentares e para comprar meia-dúzia de coisas que a casa está a precisar. Tenho de geri-lo bem para poder justificar as compras que quero fazer.
Quando saio levo sempre máquina fotográfica. Gostava de revelar meia dúzia de fotos para ficarem aqui em casa.
Está calor. É um calor abafado, mas deve ser porque o céu tem agora um pedacinho de Portalegre no meio.
până acum