quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Dia 10

Era uma vez um senhor que nasceu e morreu no Inverno, num país onde o Inverno é sempre muito rigoroso. Tinha 69 anos e vivia na 2ª maior casa do mundo que construiu com a ajuda de muitas, muitas pessoas. Morreu acompanhado pela mulher que partilhou consigo os últimos 50 anos da sua vida. Morreram de uma forma muito rápida no dia de Natal, que não é um dia para se morrer.
Este senhor foi um menino que nasceu no seio de uma família muito pobre. O pai era pastor mas também conhecido por roubar e por estar quase sempre bêbado. No dia em que foi registar este filho, o 3º, que acabou por ter mais 10 irmãos depois de si, estava tão embriagado que lhe deu o mesmo nome de um dos outros filhos. 
A mãe estava durante o dia a trabalhar e era vítima de um marido irado, violento e pouco honesto.
Este menino tinha cada vez mais vontade de sair da vila onde até aí vivia.
Um dos seus irmãos era sapateiro na capital, e esta foi a forma que o menino arranjou para deixar a escola e juntar-se ao irmão numa das cidades mais cosmopolitas da Europa. Só que este menino não tinha nem a educação nem o dinheiro para usufruir destes luxos e isso criou nele uma dor estranha, a que muitos chamam raiva e ressentimento. Nunca aprendeu a fazer sapatos porque era um bocadinho preguiçoso e houve uma vez que brigou com outro menino até ser detido pela polícia, que na altura não gostava mesmo nada de lutas entre rapazes. 
Este menino não estudou mais do que o 1º ciclo do ensino básico, falava a carregar muito nos rr's e não era nada bonito. Era muito baixinho também.
Acho que começou a aperceber-se de que, se andasse com os mais velhos talvez tivesse mais hipóteses de se tornar como eles. E assim foi. Fazia todos os favores que os mais velhos lhe pedissem. Até distribuir propaganda sobre as suas ideias e foi preso por causa disso. Mas não desistiu. 
Na prisão havia tantos livros daqueles que os mais velhos estavam sempre a falar, que ele achou uma boa ideia lê-los todos e decorá-los para os mais velhos verem que ele gostava muito deles e queria ser como eles. Às vezes não percebia muito bem aquilo que lia e por isso memorizava ainda mais. Alguns colegas na prisão diziam que ele era muito inteligente por decorar tanta coisa. Mas, ao mesmo tempo, não podiam contrariá-lo, porque aquela fúria interior explodia e ele começava a tremer e a gritar. Aos poucos, este rapaz foi-se tornando adulto e foi conseguindo fazer quase tudo aquilo que queria. Conheceu a mulher da sua vida, teve profissões com que os adultos sonham como ser presidente, primeiro de uma secção, depois de um partido, depois de um país. Não precisou de eleições, pois ele sabia que seria um bom presidente para todas as pessoas. Começou a querer ser conhecido nos outros países e conseguiu. E gostavam dele e vinham visitá-lo também. Quando era ele que ia visitar os outros países queria tanto ser como eles que trazia recordações dos sítios onde ficava. Sem ninguém saber. A certa altura, começou a desconfiar  que podia haver pessoas invejosas, que queriam ser como ele e que por isso o queriam envenenar. E assim passou a analisar toda a comida que era consumida por si e pela sua mulher. 
Mas esta história é tão comprida e tão triste também que vou deixar o resto para um outro dia.

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