terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dia 14

Se me faz confusão pensar num país que há 100 anos atrás não tinha o mesmo território que hoje tem e por isso ainda não se tinha definido enquanto corpo, enquanto forma, é quase um país sem história, portanto, mais confusão me faz pensar que esse país manteve até aos dias de hoje expressões de delicadeza e respeito para com o outro que me apaixonam e deixam estupefacta. 
Como se manteve até hoje uma língua tão arcaica, com maneiras tão subtis, tão educadas de se dirigir ao próximo que, regra geral, não se coadunam com aquilo que é o estereótipo que temos do povo romeno? Novo na forma, estanque no conteúdo, dá que pensar. 
Terá evoluído menos a sua língua do que a nossa? Serão mais lentos? Ou será que se pode chamar evoluída a uma língua que perde a delicadeza do trato?  

Beijo-lhe a mão, é a saudação que um homem deve dizer quando vê uma senhora. Deve fazer só o gesto e não concluir a acção. A senhora não deve responder, deve apenas agradecer ou acenar. Gosto desta ideia do presente, eu beijo a sua mão, porque é uma senhora. A primeira vez que me saudaram desta maneira foi fora de Bucareste, obviamente. Foi um senhor de meia idade e nessa altura eu ainda não me tinha apercebido do que queria dizer "Sarut mana". Mas só o gesto e a expressão pareciam dizer quase tudo.

Rogo-lhe, é o equivalente ao nosso desenxaibido, por favor, que indicia desde logo que não existe gratuitidade no acto, a partir do momento em que se utiliza a palavra favor. "Va rog" é a forma original e utilizada comummente quando nos dirigimos a alguém e queremos a sua atenção. Em Portugal, tanto quanto me lembro, só rogamos na Avé Maria por nós pecadores.

Não mais que o bem, é a forma que existe de nos despedirmos de alguém, desejo-lhe não mais que o bem. Que maneira sucinta e bonita de dizer aquilo que é realmente importante, desejo-lhe não mais que o bem. "Numai bine" é a forma original. E esta eu estava sempre a utilizar porque a própria sonoridade é apelativa e contagiante.

Depois, tão interessante quanto isto, mas um bocadinho mais triste, é pensar que esta língua não tem tradução para fim-de-semana ou para sala de estar. Weekend e living room usam-se para provar que há muito tempo atrás os romenos não tinham zonas da casa preparadas para o ócio, para estar simplesmente e não usufruíam certamente do gozo do fim da semana.

O mesmo gozo que me permite hoje, em dia de comemoração do centenário da república portuguesa estar a pensar que a república romena foi bem mais austera com o seu povo, que não deixou, no entanto, a doçura que uma língua velhinha usava para adoçar o amargo do sofrimento.

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